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Guia dos vinhos brancos de Murça

  • Foto do escritor: Teresa Gomes
    Teresa Gomes
  • 4 de jul.
  • 8 min de leitura

Atualizado: 6 de jul.


 

Há lugares que nos surpreendem mal lá chegamos, Murça onde a frescura dos vinhos brancos encontra a alma do Douro, é um desses.


No coração de Trás-os-Montes e Alto Douro, entre o granito e o xisto, a altitude e o calor seco da Terra Quente, esconde-se um território onde os vinhos brancos têm um brilho particular — frescos, vibrantes, por vezes inesperados.


Lá as uvas crescem em vinhas rodeadas por olivais centenários, a altitudes desafiantes que a nossa boca agradece. E a história, essa, não se escreve apenas nos rótulos, porém também nas mãos de quem cuida da terra e nos pequenos produtores que resistem à modernidade e reinventam-se. É tempo de conhecer Murça como ela merece: com tempo, com sede e com alma.



vinhas e adega em Murça na região do Douro em Portugal
Vinhas na Quinta do Guerreiro e adega na Quinta de Porrais (Joana Pereira Fotografa)

Em finais de Maio Murça convida ainda mais a ser visitada. O evento Festa de Vinhos Brancos na Praça, já na sua terceira edição em 2025, tem vindo a afirmar-se como o grande momento de celebração da identidade vitivinícola do concelho. Realizado na Praça 31 de Janeiro, mesmo ao lado da icónica Porca de Murça, junta produtores e visitantes apaixonados por vinhos brancos numa verdadeira festa da região do Douro.

 

Em 2025, tive o privilégio de dinamizar o programa através de provas temáticas — didáticas, divertidas, abertas à conversa e à descoberta. Foram 10 momentos distintos, onde o público pôde provar desde vinhos de vinhas velhas a castas como Rabigato ou a Gouveio, entender a diferença entre colheitas e reservas, decantar brancos, ou comparar vinhos de lote e monocastas.

A participação do público foi entusiasta, e ficou claro que Murça tem muito para dizer. E sabe dizê-lo com vinho!

 


Murça, capital dos vinhos brancos do Douro?
Sim, e não é exagero!

 

Murça está situada no distrito de Vila Real, na região demarcada do Douro, numa zona de transição entre as sub-regiões do Cima Corgo e do Douro Superior. Beneficia de uma conjugação rara de fatores: influencia do rio Tinhela; solos de xisto em transição para o granito com filamentos quartzíticos; altitudes entre os 200 e a chegar aos 1000 metros (a vila está a 500 m); protegida dos ventos atlânticos a Oeste e dos ventos frios da Galiza a Norte, resultando num clima mediterrânico com Verões quentes e secos e Invernos suaves; e viticultores que conhecem cada curva das encostas.



É este conjunto que dá origem a vinhos brancos com personalidade, de acidez firme, grande frescura e nos melhores casos, enorme capacidade de envelhecimento.

Os solos drenantes e pobres obrigam a videira a esforçar-se e o resultado no copo é sempre mais expressivo. E, talvez por isso, desde sempre, vários produtores do Douro compram uvas brancas em Murça. Alguns deles também estiveram presentes a convite, no evento Festa de Vinhos Brancos na Praça – Baltazar’s, Conceito, Symington, Van Zeller & Co.*, Wine & Soul. 



Se há um sítio onde as castas brancas ganham novas camadas de expressão, Murça é uma deles.

 

  • Viosinho – são vinhos intensos e aromáticos, com bom corpo e muito boa acidez. De fácil condução na vinha é regular nas produções que oferece. Adapta-se também às várias altitudes e exposições solares da região do Douro. Quase de certeza nasceu por lá e só recentemente viajou até outras regiões de Portugal Continental e ilhas. É a casta branca mais plantada no concelho de Murça.

 

  • Rabigato - com a sua acidez firme e estrutura impressionante é capaz de gerar vinhos longevos e tensos. Medianamente produtiva e de maturação media. Também oferece boas graduações, o que faz dela uma das mais importantes castas Durienses. Outra casta muito provavelmente nativa do Douro viajou até às regiões de Trás-os-Montes, Vinho Verde e deu até um salto a Espanha a Arribes del Duero, uma região colada ao Planalto Mirandês.

 

  • Gouveio - oferece vinhos com acidez viva e firme. Perfil aromático rico e delicado. Tem vindo a assumir papel central em vários vinhos brancos da região do Douro. Embora de baixo rendimento (mosto) os seus vinhos atingem uma graduação alcoólica media/alta. Muito plantada em Trás-os-Montes, Douro e no Dão e dizem ser apta para vinhos secos, espumantes e generosos.

 

E ainda há as castas Códega do Larinho, Arinto, Malvasia Fina, Moscatel Galego, Fernão Pires ou até castas menos óbvias como a Folgasão e a Praça, que resistem ao calor e brilham em vinhos de lote criativos. Em Murça persiste um encepamento branco diversificado capaz de dar tanto vinhos diretos, descomplicados, como complexos e de capacidade para estagiar em barrica ou envelhecer em garrafa.

 


11 Produtores, 11 Histórias

Murça não é feita de muitos grandes grupos e sim sobretudo de famílias, de uma cooperativa resistente, de jovens produtores que voltam à terra onde nasceram. Estes são os nomes a conhecer e a provar.


 

  1. Adega Cooperativa de Murça

A alma coletiva do concelho. Fundada em 1963, hoje conta com 700 associados e cerca de 800 hectares de vinha, é um motor económico e social do concelho sendo o seu maior empregador.


Produz vinhos brancos (Denominação de Origem Controlada) com a marca Caves de Murça, são brancos frescos, acessíveis e bem feitos. A adega construída em 2004 é funcional, tem sala de provas, um museu e acima de tudo muito vinho com identidade.



  1. Casa Agrícola Águia Moura

No local da antiga azenha do lagar familiar de azeite, na aldeia de Martim, António Moura em 2007 mandou construir uma adega, com capacidade para a vinificação de 200 mil litros de vinho.


Herdeiro de quarta geração hoje com 100 hectares de vinha própria, a Gouveio é a casta-fétiche, presente em todas as referências de vinhos brancos, além de um vinho mono-casta - Águia Moura Gouveio, que mostra bem a elegância que Murça pode oferecer.

 


  1. Quinta Monte São Sebastião

Projeto da família Breia remonta à década de 1950. Tudo começou com o avô, um dos fundadores da Adega Cooperativa de Murça, passando pelo filho, até chegar a José Luís Breia, que atualmente lidera o projeto.

 

Hoje têm 34 hectares de vinha espalhados pelo concelho de Murça. Na Quinta do Monte São Sebastião em Murça (a 200m do limite da região do Douro) está a adega e uma unidade de agro turismo. Desde 2006 são engarrafadores e trabalham com castas tradicionais (mais de 30) e vinificações cuidadas, combinando frescura com estrutura. O QMSS Branco Reserva 2023 é exemplo disso com acidez vibrante, madeira discreta e enorme finesse.



  1. Quinta de Porrais

Com vinhas a 600 metros de altitude, a histórica Quinta de Porrais (em Porrais) tem 35 hectares de vinha com uma idade média de 65 anos, tendo algumas parcelas 80 anos. Desde 2011 a Casa Santos Lima em parceria com a família Ferreira (proprietária da quinta) continua a fazer vinhos que aliam tradição e precisão.

 

O Porrais Rabigato Reserva 2019 é imperdível para quem gosta de brancos com profundidade e capacidade de guarda.

 


  1. Quinta do Cabeceiro

Após as partilhas de herança familiar em 1985, António Ribeiro deu continuidade à produção de uvas, valorizando os vinhedos herdados e plantando novas vinhas. Hoje os vinhos (cerca de 13 mil litros anuais) são produzidos na pequena adega na Sobreira e são assinados pela Enóloga Gabriela Canossa. É um trabalho de equipa com dedicação.


Parte das vinhas ficam junto à margem direita do rio Tua, solo com filões de quartzito que se vê a olho nu e se sente durante a prova dos vinhos brancos de forma vibrante. A Quinta do Cabeceiro produz igualmente dois Vinhos do Porto brancos, uma homenagem à tradição local.

 


  1. Casa Boal

Projecto que nasceu no seculo XXI, Vítor Boal com tradição vitivinícola familiar na região tem hoje 18 hectares de vinha, distribuídas por cinco parcelas, todas localizadas no concelho de Murça.

Na Quinta do Gueirinho em 2013 instalou 7 castas brancas todas identificadas e certificadas para fornecimento de varas para material de enxertia. Vítor Boal apostou não só em castas brancas mas também em castas resistentes às alterações climáticas.  

 

Os vinhos brancos que produz na adega no Ratiço são todos de lote e são vinhos frescos, salinos, com muito carácter. Procure pelo Curvas de Murça ou Gueirinho.

 


  1. Casa Castro Malheiro

Fundada no seculo XIX pelo avô da família a Casa Castro Malheiro é Malheiro está hoje nas mãos da terceira e quarta geração. A produção de vinho era em pequena escala, para consumo familiar, contudo desde 2003, os 11 herdeiros investiram na plantação de vinha, tendo hoje 8 hectares.  

Esta casa de raízes antigas com vinhos poéticos (tome atenção ao contra rotulo das garrafas e alma artesanal produz apenas um vinho branco.  


Em comercialização actualmente o Castro Malheiro Branco 2022, à base de Viosinho evoluiu com dignidade na garrafa e mostra como os vinhos brancos estruturados beneficiam de decantação.

 


  1. Hotle

João Paulo Pereira, recém-chegado à produção de vinhos, em sociedade com o irmão, querem dar seguimento às vinhas de família.

 

Estreantes cheios de vontade estão também a recuperar uma antiga estalagem chamada pelos locais de Hotle. Conta a história que no século XVIII havia Ingleses a virem a Murça negociar a compra de vinhos. Estes tinham por hábito pernoitar numa estalagem a qual chamavam Hotel (ler em Inglês), porém no entender dos portugueses que os recebiam, eles diriam Hotle e assim ficou o nome. Embora também fosse conhecida pela estalagem “do Macaco”.

 

O branco Hotle 2023 é elegante, direto, expressivo, um vinho para partir à descoberta.



  1. Sucessuss Vini

José Moutinho trocou definitivamente a função pública pela agricultura. Herdeiro da tradição agrícola familiar, já antes entre 2009 e 2015 tinha produzido vinho todavia afastou-se. Regressou o ano passado (2024) à produção de vinhos com marca própria.

 

Hoje, com 20 hectares de vinha na localidade de Sobredo, produz o vinho Patrius branco com Arinto, Rabigato e Viosinho — frescura e equilíbrio em garrafa. E tem sonhos de agroturismo a fermentar.

 


  1. Repto

Em 1990 João Bessa decide deixar a sua profissão de Delegado de Informação Médica e apresentar candidatura a um programa de apoio a jovens agricultores.

Atualmente, possui 12 hectares de vinha, distribuídos por meia dúzia de parcelas, sendo a Quinta do Toural a de maior destaque. Com adega e produção própria desde 2007, vinifica por castas preferindo fazer os lotes no ano seguinte à vindima.

 

O vinho branco Repto 2023 mostra que a honestidade e a autenticidade podem caber num vinho de 4€. Um repto bem lançado.

 


  1. Casa Borges

Manuel Borges está desde sempre ligado ao setor da restauração por via do restaurante e da pequena pensão construídos pelo pai em Murça. Contudo foi pelo casamento que chegam vinhas à família. Mais tarde em 2003, já com adega própria faz o primeiro vinho.

Naturalmente parte do vinho (20-25%) é vendido e consumido no restaurante que serve diárias. Deste é até possível ver uma pequena vinha (cerca de 1ha) plantada por detrás da pensão.

A família Borges aposta em brancos com vivacidade e frescura. O vinho branco Quinta de Jorjais feito a partir de Rabigato, Viosinho e Gouveio em perfeita sintonia. Um brinde à persistência familiar.

 

 

Em Murça há vinhas para percorrer, produtores para ouvir, vinhos brancos para degustar. A Porca de Murça continua a olhar quem passa, e as vinhas resistem ao tempo e às modas com sabedoria antiga.

Até breve, Murça! Porque há vinhos que não se esquecem. E há lugares que chamam por nós, uma e outra vez.

 

*Tem também algumas vinhas no concelho.


 

Se és produtor, município ou organizador de eventos e gostavas de criar momentos de prova personalizados, educativos e com alma estou disponível para colaborar contigo.

Juntos, podemos criar experiências à medida, que liguem o vinho à cultura, à paisagem e às pessoas.

 

Contacta-me por email somm@teresagomes.com ou vamos conversar - 964 370 633.

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